sexta-feira, 6 de novembro de 2015

O novo-velho som da Dônica

De cara. No seco. Sem contextualizar e sem pedir auxílio ao Google, veio ao ouvido algo que remeteu ao Clube da Esquina, Tropicália com guitarras do pós-punk brasileiro e um toque de Jorge Ben. Tudo isso em apenas duas faixas.

“Abrir a porta/ Ver a menina/ De pernas tortas”

Há tempos não ouvia, nos novos sons brasileiros, guitarras com overdrive e a instiga juvenil fundamental para seu timbre perfeito.

Ao acrescentar na audição as imagens do clipe “Casa 180”, tudo fez mais sentido quando fiquei mais confuso! Psicodelia, imagens com retraço e pigmentos de câmera Super8, instrumentos vintage e um apelo visual voltado para o analógico. A cara limpa de jovens que carregam aquela antiga verve de querer mudar o mundo. Mas enfim, a banda é nova mesmo?

José Ibarra (vocal e piano), Miguima (baixo), Deco Almeida (bateria), Lucas Nunes (guitarra) e Tom Veloso (composições). Essa é a Dônica e é nova sim.

Dentre as influências que a banda apresenta como referência estão nomes como Pink Floyd, Mutantes, Queen, Clube da Esquina e uma infinidade de coisas de bom gosto. Caetano Veloso e Milton Nascimento aparecem na lista e não é porque são respectivamente pai e padrinho, é porque os garotos têm mesmo bom gosto.

Com toda essa carga artística e genética, a banda apresentou em 2014 seu primeiro álbum, “Continuidade dos Parques”, fruto das composições do quinteto e do contrato com uma gravadora multinacional. Esse álbum ganhou versão em vinil, o que reforça a busca da banda em fortalecer sua imagem retrô.

Talvez tentando fugir da pecha quase inevitável de “a banda do filho de Caetano”, Tom assume um posto curioso, apresentando-se como compositor que tem vergonha de subir nos palcos, pois se sente incapaz de tocar para muitas pessoas.

A Dônica é a minha aposta para o futuro da música brasileira. Um futuro carregado de sons do passado e com a inquietude do que é novo. Assim como foi com Gonzaga e Gonzaguinha.

Eu indico a Dônica. E o Youtube também.



Texto publicado no portal Segue o Som

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Desta vida

Para mim - basta
As brincadeiras de criança
Meu carrinho de corrida
Todas as vezes que fui Senna

Figurinha amassada no refugo
Pipas que sumiram no ar e no armário
Um violão velho de nylon
E o latido de Raph

Para mim - basta
As espinhas dos hormônios
A eternidade que a vida era
O não saber constante

Clipes de rock na MTV
Trajetória parada por um poste
Cadernos de aulas que não tive
Contos de Machado de Assis

Para mim - basta
As marcas no meu rosto
Músicas que nunca mais ouvi
Saudade de ser Renato Russo

Filmes que perderam o sentido
Amigos desaparecidos
Reflexões de ônibus noturno
Medo de ter mais passado

Para mim - basta
As cargas que ainda junto
Tempo que vejo e não sinto
Vontade de me mudar no mundo

Livros que quero ler
Fotografia que não fiz
Ser triste e feliz
Dias que quero ver

quarta-feira, 8 de julho de 2015

A morte do futebol brasileiro

Quando os jogadores do Operário Futebol Clube se deitaram no campo em protesto, simbolizando a morte do futebol brasileiro, eu ainda não pensava em escrever esse texto.

A série D do campeonato brasileiro de futebol é a clara evidência da desigualdade presente no nosso esporte favorito. O salário do maior craque brasileiro, na atualidade, pagaria os vencimentos de 2 mil atletas da série D. Se isso é por mérito? Não é essa a questão que quero tratar. Naquela fatídica noite, os atletas do Grêmio Barueri não entraram em campo. A ‘greve’ foi deflagrada pelo mesmo motivo em que trabalhadores do mundo inteiro param em protesto: más condições de trabalho e falta de pagamento. A simbologia gerada pelo apoio dos colegas do Operário ganhou força, foi noticiada internacionalmente, mas pouca gente parou para entender os reais motivos daquele velório.

Com nosso orgulho ferido pelos 7 a 1 que teimamos em explicar com alegações inexplicáveis, demos pouca atenção para os operários.

Há um ano, recebemos da seleção da Alemanha um castigo. Como menino que apanha do pai sem saber o motivo, de repente, recebemos a primeira chinelada. Foram sete açoites e um afago, como um pai que castiga com pena. De nada adianta discutir se a lei da palmada está correta, mas nesse caso, falando do futebol brasileiro, apanhamos e até agora, de nada adiantou a humilhação pública. Ninguém entendeu como ação punitiva por algum erro cometido. Fazem festa comemorando o aniversário de um ano e até criam teorias conspiratórias, mas nada de reconhecer que estamos todos errados.

Muito dinheiro, poucas peladas

Um jornalista e escritor uruguaio, Eduardo Galeano, diagnosticou a mercantilização do futebol como a origem de todos os males. Um modelo que cumpre um certo 'dever social' e proporciona às crianças pobres a oportunidade de ascensão econômica, também caracteriza negativamente o esporte: jogadores sem identificação com o público e com o clube, que apenas cumprem uma rotina de trabalho. Profissionais do “jogar por dever”.

Nesse mercado acirrado, cada uma das nossas promessas de craque é vista como um diamante. E não há preocupação em lapidar cada pedrinha, mas sim, assim que extraídas, a tarefa é trazer lucro para os garimpeiros. Vemos nossos potenciais destaques esportivos completando elencos de times de segunda classe da Europa ou em missão milionária em países sem tradição no esporte. Chegam lá e ganham um polimento. Nada de lapidação.

Em Tambauzinho, bairro tradicional da capital paraibana, onde cresci, tínhamos o nosso campinho. Era um terreno baldio que limpamos e enfincamos traves. Lá aconteceram alguns dos melhores jogos que vi e joguei, defendia o orgulho de não perder para os ‘rivais da rua de baixo’, nem deixávamos os ‘invasores’ jogarem no nosso reduto. Observe a sua cidade: onde estão os campinhos de pelada? Onde a molecada está jogando, ‘batendo um baba’, racha ou rachão? Há muito não vejo crianças nas ruas, jogando com traves improvisadas com chinelos, pés descalços e dividindo os times dos com e sem camisa.

Quando falo em morte do futebol brasileiro, não me refiro a derrota humilhante para a seleção da Alemanha, não estou noticiando o protesto do Operário, não vou listar motivos, escândalos de corrupção e provas de manipulação de resultados. Falo da morte do futebol real, aquele que não precisa de dinheiro para ser jogado.

Galeano defende a prática de um futebol “puro”, onde a magia do esporte ainda está presente. Na pureza do jogo em si não se joga por motivo, não há relógio nem contagem do tempo e o apito do juiz é substituído por um grito do jogador: “falta, pô!”. Claro que essa não é a solução para o futebol profissional, mas é esse futebol que está morrendo. Nossos campinhos de barro estão sendo substituídos por gramados sintéticos com patrocínio de multinacional e em nome da paixão pelo futebol. Irônico, não?



Por favor, não matem nossa habilidade desenvolvida de pés descalços, não tranquem nossas crianças em celas, nem as prendam aos cabos dos carregadores de smartphones e não deixem o verdadeiro futebol morrer em nome da salvação do futebol profissional.


terça-feira, 16 de junho de 2015

Paradelle para Adelle


A paradelle é um estilo poético moderno que foi criado nos Estados Unidos pelo poeta Billy Collins, como uma paródia ao villanelle.


Com o perdão da ressonância e sem a intenção de fazer trocadilho, escrevi um paradelle para Adelle.




Todas as flores encontradas no caminho
Todas as flores encontradas no caminho
De longe contando os passos só pra te ver
De longe contando os passos só pra te ver
Os passos no caminho das flores
Só pra de longe te ver cantando

Os dias voaram e ninguém viu
Os dias voaram e ninguém viu
E os pássaros tecendo novas canções
E os pássaros tecendo novas canções
Ninguém viu, os pássaros voaram
Canções tecendo novos dias

A pele que arrepio com um toque
A pele que arrepio com um toque
Suave o cheiro que produz ternura
Suave o cheiro que produz ternura
Um toque suave, o cheiro, a pele
Ternura que produz arrepio

Os pássaros tecendo um toque
No caminho pra te ver suave
O cheiro das flores nas canções
De longe produz na pele o arrepio
Cantando os pássaros que voam
Ternura que produz os dias

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Voltei para a casa abandonada

Comecei a empreitada muito antes de 2007. Foi em 28 de abril de 2007 que mudei a hospedagem do blog e trouxe para o blospot alguns dos textos que existiam em outro site.

Dessa época até a última postagem em 08 de dezembro de 2012, muita coisa aconteceu. Muitos textos bons nasceram e muitos ruins também.

Resolvi fechar as portas. O mundo já era outro com a chegada das mídias mobile, do universo todo pocket. Tudo instantâneo e móvel. Breve e líquido.

Nesse hiato entre 2012 e o dia de hoje, muitas outras coisas escrevi. Muito mudou na minha forma de escrever. Muitas coisas diferentes eu li. Sim, meus gostos mudaram com a chegada das marcas no meu rosto.

É tempo de assumir minhas palavras e observar o derramar delas no tempo.
“Mas eu sei que alguma coisa aconteceu, está tudo assim tão diferente”. Não, não desgostei da Legião Urbana, nem tão pouco vou parar de citar canções aqui. As diferenças são outras: “o futuro não é mais como era antigamente”.

Volto para a casa abandonada. Começo tirando o pó, revendo postagens, apagando besteiras, deixando o que vale a pena ser lido.

Nos três anos de abandono morei em outras casas, e logo, acho justo trazer para cá a mobília que adquiri por ai. Resolvi postar com datas retroativas, referentes a data de criação de cada texto, tudo o que escrevi durante o silêncio e eles farão parte do marcador 'Mobília', para situar melhor. Meus poemas, que insisto em não publicar aqui, estarão ainda no marcador 'Versos' e serão publicados todo dia 15 de setembro, como sempre foi, sendo apenas uma amostra dos poemas que escrevo.

O que virá? O de sempre: crônicas, resenhas, poemas, músicas, imagens e vídeos. Muita coisa nova também. Espero ser proveitosa essa retomada.

***

"Eu voltei para a casa abandonada
Onde não devemos nada para niguém"

Vamos de música boa para deixar o post mais bonito:

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Hiperlink-se

Escorra pelas mãos
de quem tentar te segurar.
Há muito tempo
um cara foi ambulante metamorfose
apontando o tempo que chegou.
Somos um e milhares!
Reinvenção do ser.

quinta-feira, 12 de março de 2015

A nave mãe - Lunik

O ano era 2002, precisamente 17 de janeiro. Eu ainda estava na fase teen da minha vida. Acreditava ainda que bastava acreditar muito para alcançar qualquer sonho. Com a galera do Lunik aprendi que "Nem tudo é como a gente quer", que para tocar nossas músicas para um bom público, muita coisa chata tem que acontecer antes. Foi uma escola.

As ideias eram boas. A banda era boa. E eu, de espectador de um grande show que aconteceu no Festival Nacional de Arte (Fenart), passei, semanas depois, a integrante daquela nave.

Não tocava minhas músicas, não tocava meu instrumento de estudo, mas com o baixo na mão e muita boa vontade, meti a cara no rock e na cena de João Pessoa.

No Festival Centro em Cena, em frente ao teatro Santa Rosa, com uma porção de amigos na platéia, aconteceu assim: