Quando os jogadores do Operário Futebol
Clube se deitaram no campo em protesto, simbolizando a morte do futebol
brasileiro, eu ainda não pensava em escrever esse texto.
A série D do campeonato brasileiro de
futebol é a clara evidência da desigualdade presente no nosso esporte favorito.
O salário do maior craque brasileiro, na atualidade, pagaria os vencimentos de
2 mil atletas da série D. Se isso é por mérito? Não é essa a questão que quero
tratar. Naquela fatídica noite, os atletas do Grêmio Barueri não entraram em
campo. A ‘greve’ foi deflagrada pelo mesmo motivo em que trabalhadores do mundo
inteiro param em protesto: más condições de trabalho e falta de pagamento. A
simbologia gerada pelo apoio dos colegas do Operário ganhou força, foi
noticiada internacionalmente, mas pouca gente parou para entender os reais
motivos daquele velório.
Com nosso orgulho ferido pelos 7 a 1 que
teimamos em explicar com alegações inexplicáveis, demos pouca atenção para os
operários.
Há um ano, recebemos da seleção da
Alemanha um castigo. Como menino que apanha do pai sem saber o motivo, de repente, recebemos
a primeira chinelada. Foram sete açoites e um afago, como um pai que castiga
com pena. De nada adianta discutir se a lei da palmada está correta, mas nesse
caso, falando do futebol brasileiro, apanhamos e até agora, de nada adiantou a
humilhação pública. Ninguém entendeu como ação punitiva por algum erro
cometido. Fazem festa comemorando o aniversário de um ano e até criam teorias
conspiratórias, mas nada de reconhecer que estamos todos errados.
Muito dinheiro, poucas peladas
Um jornalista e escritor uruguaio,
Eduardo Galeano, diagnosticou a mercantilização do futebol como a origem de
todos os males. Um modelo que cumpre um certo 'dever social' e proporciona às
crianças pobres a oportunidade de ascensão econômica, também caracteriza
negativamente o esporte: jogadores sem identificação com o público e com o
clube, que apenas cumprem uma rotina de trabalho. Profissionais do “jogar por
dever”.
Nesse mercado acirrado, cada uma das nossas promessas de craque é vista como um diamante. E não há preocupação em lapidar cada pedrinha, mas sim, assim que extraídas, a tarefa é trazer lucro para os garimpeiros. Vemos nossos potenciais destaques esportivos completando elencos de times de segunda classe da Europa ou em missão milionária em países sem tradição no esporte. Chegam lá e ganham um polimento. Nada de lapidação.

Em Tambauzinho, bairro tradicional da capital paraibana, onde cresci, tínhamos o nosso campinho. Era um terreno baldio que
limpamos e enfincamos traves. Lá aconteceram alguns dos melhores jogos que vi e
joguei, defendia o orgulho de não perder para os ‘rivais da rua de baixo’, nem
deixávamos os ‘invasores’ jogarem no nosso reduto. Observe a sua cidade: onde
estão os campinhos de pelada? Onde a molecada está jogando, ‘batendo um baba’,
racha ou rachão? Há muito não vejo crianças nas ruas, jogando com traves
improvisadas com chinelos, pés descalços e dividindo os times dos com e sem
camisa.
Quando falo em morte do futebol
brasileiro, não me refiro a derrota humilhante para a seleção da Alemanha, não
estou noticiando o protesto do Operário, não vou listar motivos, escândalos de
corrupção e provas de manipulação de resultados. Falo da morte do futebol real,
aquele que não precisa de dinheiro para ser jogado.
Galeano defende a prática de um futebol
“puro”, onde a magia do esporte ainda está presente. Na pureza do jogo em si
não se joga por motivo, não há relógio nem contagem do tempo e o apito do juiz é
substituído por um grito do jogador: “falta, pô!”. Claro que essa não é a
solução para o futebol profissional, mas é esse futebol que está morrendo. Nossos
campinhos de barro estão sendo substituídos por gramados sintéticos com
patrocínio de multinacional e em nome da paixão pelo futebol. Irônico, não?
Por favor, não matem nossa habilidade
desenvolvida de pés descalços, não tranquem nossas crianças em celas, nem as
prendam aos cabos dos carregadores de smartphones e não deixem o verdadeiro
futebol morrer em nome da salvação do futebol profissional.