quarta-feira, 8 de julho de 2015

A morte do futebol brasileiro

Quando os jogadores do Operário Futebol Clube se deitaram no campo em protesto, simbolizando a morte do futebol brasileiro, eu ainda não pensava em escrever esse texto.

A série D do campeonato brasileiro de futebol é a clara evidência da desigualdade presente no nosso esporte favorito. O salário do maior craque brasileiro, na atualidade, pagaria os vencimentos de 2 mil atletas da série D. Se isso é por mérito? Não é essa a questão que quero tratar. Naquela fatídica noite, os atletas do Grêmio Barueri não entraram em campo. A ‘greve’ foi deflagrada pelo mesmo motivo em que trabalhadores do mundo inteiro param em protesto: más condições de trabalho e falta de pagamento. A simbologia gerada pelo apoio dos colegas do Operário ganhou força, foi noticiada internacionalmente, mas pouca gente parou para entender os reais motivos daquele velório.

Com nosso orgulho ferido pelos 7 a 1 que teimamos em explicar com alegações inexplicáveis, demos pouca atenção para os operários.

Há um ano, recebemos da seleção da Alemanha um castigo. Como menino que apanha do pai sem saber o motivo, de repente, recebemos a primeira chinelada. Foram sete açoites e um afago, como um pai que castiga com pena. De nada adianta discutir se a lei da palmada está correta, mas nesse caso, falando do futebol brasileiro, apanhamos e até agora, de nada adiantou a humilhação pública. Ninguém entendeu como ação punitiva por algum erro cometido. Fazem festa comemorando o aniversário de um ano e até criam teorias conspiratórias, mas nada de reconhecer que estamos todos errados.

Muito dinheiro, poucas peladas

Um jornalista e escritor uruguaio, Eduardo Galeano, diagnosticou a mercantilização do futebol como a origem de todos os males. Um modelo que cumpre um certo 'dever social' e proporciona às crianças pobres a oportunidade de ascensão econômica, também caracteriza negativamente o esporte: jogadores sem identificação com o público e com o clube, que apenas cumprem uma rotina de trabalho. Profissionais do “jogar por dever”.

Nesse mercado acirrado, cada uma das nossas promessas de craque é vista como um diamante. E não há preocupação em lapidar cada pedrinha, mas sim, assim que extraídas, a tarefa é trazer lucro para os garimpeiros. Vemos nossos potenciais destaques esportivos completando elencos de times de segunda classe da Europa ou em missão milionária em países sem tradição no esporte. Chegam lá e ganham um polimento. Nada de lapidação.

Em Tambauzinho, bairro tradicional da capital paraibana, onde cresci, tínhamos o nosso campinho. Era um terreno baldio que limpamos e enfincamos traves. Lá aconteceram alguns dos melhores jogos que vi e joguei, defendia o orgulho de não perder para os ‘rivais da rua de baixo’, nem deixávamos os ‘invasores’ jogarem no nosso reduto. Observe a sua cidade: onde estão os campinhos de pelada? Onde a molecada está jogando, ‘batendo um baba’, racha ou rachão? Há muito não vejo crianças nas ruas, jogando com traves improvisadas com chinelos, pés descalços e dividindo os times dos com e sem camisa.

Quando falo em morte do futebol brasileiro, não me refiro a derrota humilhante para a seleção da Alemanha, não estou noticiando o protesto do Operário, não vou listar motivos, escândalos de corrupção e provas de manipulação de resultados. Falo da morte do futebol real, aquele que não precisa de dinheiro para ser jogado.

Galeano defende a prática de um futebol “puro”, onde a magia do esporte ainda está presente. Na pureza do jogo em si não se joga por motivo, não há relógio nem contagem do tempo e o apito do juiz é substituído por um grito do jogador: “falta, pô!”. Claro que essa não é a solução para o futebol profissional, mas é esse futebol que está morrendo. Nossos campinhos de barro estão sendo substituídos por gramados sintéticos com patrocínio de multinacional e em nome da paixão pelo futebol. Irônico, não?



Por favor, não matem nossa habilidade desenvolvida de pés descalços, não tranquem nossas crianças em celas, nem as prendam aos cabos dos carregadores de smartphones e não deixem o verdadeiro futebol morrer em nome da salvação do futebol profissional.


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