terça-feira, 17 de maio de 2016

O pequeno índio Brasil e a imprensa cachimbeira



Uma tribo perdida na América Latina, mas achada por muitos. Em meio aos membros da aldeia, um curumim chama a atenção: um indiozinho mestiço, novinho, ainda com dentes de leite. O pequeno apresenta traços de povos de todo o mundo. Rosto quadrado, pernas compridas e fala misturando alguns idiomas. Seus olhos são um problema: um verde e outro amarelo. Por isso, não se sabe se é filho de um marujo português ou de um soldado holandês, muito embora as pernas se assemelhem as de um angolano. Seus pais queriam o deleite, o resto não importa. A tribo não o aceita bem, os forasteiros também não. O pobre é deslocado, menosprezado e humilhado por todos.

Na tribo não há leis, mas alguns se colocam acima do que não existe. O cacique, o pajé e a benzedeira detêm todos os poderes. Unidos, confabulam noite e dia sobre o que fazer com o danado do indiozinho. Notam que o pirralho tem uma astúcia maliciosa. Sempre se destaca nas atividades físicas, no artesanato e na caça. Parece ameaçar o futuro da aldeia. Do cacique não se sabe muito. Há diversas versões de como ele conseguiu se tornar o mais poderoso guerreiro. Uns dizem que seus feitos não passam de fabulações e mentiras bem contadas. O pajé? Bem, esse sempre andou por essas terras. Sabe articular, sabe usar sua influência e sempre desfrutou dos despojos colhidos e caçados por outros. A velha do cachimbo é que não é tão velha assim. Antes dela se impor como uma entidade de poder, havia um outro xamã, conhecido como Tupi. Esse, coitado, foi traído por todos e destituído.

É curioso o medo que todos têm. O pequeno índio, filho de ninguém, não teria compromisso com nenhuma autoridade ancestral e, a não ser que se consiga doutriná-lo com uma teoria que o ensine sobre dependência, poderia botar tudo a perder. Já se percebe que não é tarefa fácil. O indiozinho é arteiro, consegue desenvolver práticas que aprimoram tarefas simples e até complexas. Para frear esse impulso criativo, todos zombam e apregoam que, o ‘jeitinho’ que ele acha para resolver tudo, é perigoso. Fingem que ele utiliza essa faculdade mental apenas para praticar pequenos delitos, como roubar frutas. É que mesmo sendo um exímio caçador e coletor, ele acha graça em pegar a comida dos outros. Sabe-se que os filhos do cacique não têm pernas tão longas, mesmo bem treinados, poderiam demorar mais nas jornadas. É necessário assegurar a ordem. Então, o pajé sugere uma cerimônia, diz que Tupã pediu os olhos do mestiço. O cacique mobiliza a estrutura e a velha cachimbeira benze toda a tribo e espalha a notícia do ritual. Eles arrancam os olhos do pequeno curumim em uma noite de poucas estrelas.

O pobre não sabe se grita ou se chora. Junto com a escuridão que chegou, veio um apagão na memória: não lembra como é enxergar. Imagino que a agonia do pequeno era mais pelo medo da noite do que pela cegueira. Sofria mais pelos barulhos que ouvia da tribo em festa, do que pela dor que sentia. Logo, a velha sussurra em seu ouvido que está tudo bem. Engolir o choro, sentar na tigela de barro e aproveitar a festa é o conselho que o indiozinho aceita, afinal, aquela voz séria desperta nele um sentimento de afeto, proximidade e confiança. Sempre ouviu daquela boca as histórias do mundo todo. Aquela narração sempre no presente, apontando fatos sem emoção e com a firmeza de quem detém a verdade, soavam para o pequeno, como uma mãe contando fábulas.

A senhora do cachimbo, todos os dias, orienta o pequeno índio sobre o que ele deve fazer e repete, como forma de criar uma verdade, que ele não é cego, mesmo sendo notória a falta de olhos.

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