sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Circo de sol e asfalto


Meio-dia. O suor desce na testa do artista, leva embora a maquiagem que deve ter sido feita em casa. O sol desmancha muito mais do que a tinta, enruga o rosto. Concentrado, carrega um semblante atento sob a máscara do sorriso circense. O traço é latino, quase jogador de futebol de seleção argentina, suas roupas são de palhaço pobre, mas a postura é de trapezista. Uma luta para não deixar sua essência cair no asfalto.

Malabar longe da lona. Seu picadeiro é a faixa destinada aos que atravessam a rua sem perceber o espetáculo que acontece no grande circo da realidade. Seu número, talvez ensaiado sem espelho, tem a atenção dividida com panfletos de promoções imperdíveis e outros entes que apenas pedem dinheiro.

São muitos olhares. O respeitável público possivelmente não o respeita. Viram-lhe o rosto, sobem os vidros dos seus automóveis, como se fosse possível criar uma nova realidade, sem suor, sem ruídos, sem fome e sem circo. Outros sorriem de volta. Percebem o imperceptível, abraçam a arte e o artista. O semáforo libera o fluxo e o malabarista agradece. Uns questionam sua atitude. Tolo! Prolongar a peça até o sinal verde e não cobrar pelo serviço. Os que sorriram sabem: bravo!

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